Relembrando um post de há séculos. Por alguma razão obscura ou apenas porque a primeira vez que pus os pés em casa do M. a noite correu bem, afeiçoei-me ao lugar. Em muitos anos, desde que ele lá comprou o apartamento nos inícios dos oitentas, não foram mais do que três ou quatro as visitas que lhe fiz. Mas todas elas muito aprazíveis. Descobri até que há poucos locais no mundo onde durma tão descansado como naquela casa. Acho que todos nós temos estas esquisitices com certos sítios, de encontrarmos uma estranha paz onde menos se espera e sem razão aparente. Adiante. O que a seguir narro é no mínimo estranho. Pelo menos para a época em que os factos ocorreram. E é-o porque, tendo isto se passado em meados da década de noventa, já era o Algarve dessa época do conhecimento generalizado dos portugueses. Pelo menos eu assim pensava. Ora a casa do M. era e é muito perto do Estádio de São Luís, como verificou quem se deu ao trabalho de ler o post mencionado acima. Nessa manhã tardia de domingo, depois de uma noitada das antigas, acordei com uma história insistente na cabeça. Uma história bem contada e muito nítida, dessas que se deixam escrever quase palavra a palavra. Saí para a rua, abri o carro, tirei de lá um bloco de notas e instalei-me num café ali perto, disposto a escrever. A conversa por lá era monotemática. Só se falava do sismo que ocorrera nessa manhã e do qual eu estava completamente a leste. Entre os relatos de susto, de loiças a bater, de candeeiros bandeantes e de corridas para a rua, lá consegui, coadjuvado pelo café quente, reduzir a escrito o que tinha a transbordar-me da cabeça. Por ali fiquei mais um tempo a fazer horas para qualquer coisa indefinida. Talvez para o almoço, talvez para o regresso do M. que tinha desaparecido com a família sem deixar rasto, apenas um bilhete. "Não te quisemos acordar". Quando saí para a rua, havia autocarros estacionados por ali. Burburinho generalizado, alguns feirantes em preparos, músicas diversas gritando sabia-se lá de onde. Percebi então que era pessoal de Braga. Daqueles que fazem jus à expressão "Não sou de cá. Vim só ver a bola." Não sei por quê, misturei-me com eles. Talvez para desfrutar o sotaque minhoto mais de perto, em contrabalanço com o do Algarve. Segui um grupo mais pândego para um outro café. Enquanto tomava mais um, os risos, as exclamações e as pequenas provocações incidiam sobre o nome que devia levar uma chávena pequena de café com leite. Percebi então que a maioria daquelas pessoas nunca tinha posto os pés no Algarve. Trocavam rapidamente expressões designando bebidas e comidas com o dono do café. Faziam perguntas, gozavam com os indígenas. Tudo em ar galhofeiro, na santa paz. Não sei o resultado do encontro de futebol. por MCV às 13:20
O 25 de Abril apanhou-me com 15 anos. O clima desses dias somou-se à disponibilidade da juventude. Mas nunca me enquadrei em nenhum rebanho. A primeira e a única vez em que o meu nome constou de uma lista foi para umas eleições para uma associação de estudantes e foi a rogo, quando me apanharam de baixa. De qualquer forma, nunca existiu o partido que enquadrava essa lista. Que pagou os autocolantes, que fez as cópias. Nunca existiu como nunca existiram os partidos de que muitos outros se reclamaram. Basta ler o que se diz hoje do PSD, o que do PPD disseram os que dele se afastaram em cisões antigas, o que disseram do PS os que dele saíram e depois voltaram, e mais recentemente, o que disseram e dizem do PCP os que de lá saíram ou foram empurrados. E do CDS, os que foram saindo a pouco e pouco. Nunca existiu o partido dessas pessoas. O meu também não. Mas coloquei a cruz no mesmo sítio. De há vinte e tal anos. Burro velho... K será constante?
E não é. Nós é que simplificamos. Alguns com mais convicção do que outros. Veja-se o caso particular de c, que tanta gente defende com unhas e dentes que seja e tenha sido constante. Mas não há constantes. Vem isto a propósito de coisas bem mais comezinhas. E caras a todos os que se dedicam a linhas de código ou a meras folhas de cálculo. Quantas vezes não incluímos já uma constante aqui ou ali que depois se verifica desactualizada? Desde o ridículo 0,17 para o I.V.A. até ao 19 para as centenas de anos, passando pelo 13 para os jogos do totobola. De algumas delas tínhamos a certeza que perderiam a validade e até sabíamos quando. Com outras, foi o deixa andar, que depois se corrige, se ainda fizer falta. De outras ainda, não nos passava pela cabeça que se alterassem. No entanto, bastava que em vez da constante se tivesse colocado uma variável para a coisa ficar logo mais definitiva. A previsão é uma arte, mais do que uma ciência. Embora esta afirmação seja fortemente controversa, continuo a achar que ciência é captura de dados e estabelecimento de relações, de teorias. A previsão é a técnica, que encerra um nível considerável e artístico de incerteza, que se baseia nos dados que a ciência lhe fornece e na utilidade que lhe atribuímos. Tanta conversa para dizer que onde coloquei uma constante devia ter posto logo uma variável. por MCV às 09:26
Ou até fragmentos de filmagem. Vi há pouco a maldade que algum realizador de televisão fez aos líderes políticos que se dirigiam ao pano de fundo azul, com a rosa-dos-ventos da defesa atlântica, para se deixarem fotografar apertando a mão. O cliché é velho, muito velho. Não é só desde que há fotografia, desde que há cinema, que os homens se dispõem a esta pose. Já o faziam quando se apresentavam em público encenando actos. Já o faziam quando se pretendiam imortalizar na ponta de um pincel. O problema do mundo actual é a banalização. A banalização de todas as coisas. O fingimento é mais do que banal. Nas imagens, nas palavras. Seja nas populares fotos de um casamento num jardim qualquer, seja no boletim de voto supostamente VIP que fica dois minutos suspenso da ponta dos dedos à espera dos flashes. Estamos todos fartos disso. Das declarações de fugida quando o microfone cria a vertigem da palavra. Da oportunidade dos anónimos mostrarem a cara ao mundo. Mas serve para quê esta encenação? Para os arquivos encenados da história? Como o célebre e controverso beijo da mulher e do soldado? Não sei. O que sei é que fazem falta alguns mais como o famoso engenheiro que disse para as câmaras, para os microfones: "Agora não posso. Tenho que ir mijar!"
Nota: Não era soldado o homem do beijo de Doisneau. A minha memória juntou duas fotos. Uma da libertação de Paris e a do beijo de Doisneau. Baralhações da velhice. por MCV às 21:16 de 22 fevereiro 2005
Já o conheço há muitos anos. De outras lutas, mais consequentes. Ontem telefonou-me. Na certa para me perguntar se já tinha votado. Como se ele não soubesse que, se eu me decidisse a não ir, nada me arrastaria até ao autocolante dos bombeiros. Mas como lhe disse que sim, apenas me pediu o palpite e lá fez as suas observações habituais. Para ele, faz muita diferença que ganhe A ou B. Acredita em manhãs radiosas e dias cinzentos. Uma das coisas que mais me intriga na espécie humana é esta maravilha de pensarmos que somos outros no dia seguinte. Que de 24 de Abril de 1974 para 25 saíram os que cá estavam, cerca de dez milhões, e entraram outros. Que isso aconteceu de cada vez que se disse que o país virou à esquerda e à direita. Eu confesso. Nunca me apercebi de tal coisa. E sobre viragens à direita e à esquerda, excepção feita aos piões que se fizeram enquanto a borracha não aderia ao betuminoso, não tenho também dado por nada. por MCV às 17:23
A questão do Hondt e se a minha...
O "e se...?" é daquelas interrogações, digamos condições, que nos persegue. Quando o "e se...?" se levanta, esquecem sempre milhões de implicações que teria, pois só resta uma - a que interessa ao especulador. Ora o "e se..." nunca aconteceu nem nunca acontecerá, porque caminhamos numa via única. Não há dois destinos para um homem, tanto quanto sabemos. Mas fazendo tábua rasa do que acabei de dizer, noto o seguinte: E se algum dos partidos tivesse obtido, em dado círculo, até mais 1000 votos? (claro que no "e se..." os outros teriam que ficar na mesma) Teríamos o seguinte: Em Aveiro, o Bloco de Esquerda com mais 206 votos tirava o último deputado ao PS. No mesmo distrito, o PSD com mais 991 votos - sem que o BE crescesse, é claro - tirava o tal último deputado ao PS. Em Braga, o BE com mais 418 votos, tirava o último deputado ao PSD. Em Faro, o PSD com mais 190 votos, tirava o último deputado ao PS. No Porto, o PS com mais 926 votos, tirava o último deputado ao PSD. Em Viana, o PSD com mais 969 votos, ficava com o deputado do CDS. Teríamos assim o BE com a possibilidade de alcançar mais 2 deputados. O PSD a perder 2 e a ganhar 3. O PS a perder 2 e a ganhar 1. E o CDS a perder 1. 5 deputados perdidos e 6 ganhos. Como se vê, há um deputado que surgiu do ar. Pois é. É que nestas coisas do "e se...", nunca se contam as hipóteses dos outros ganharem também qualquer coisinha. E agora perguntam os meus leitores: Este tipo não tinha mais nada com que se entreter?
É um exercício que me faz rir esse de mostrar que as sondagens falharam porque... É a história das últimas eleições em Espanha e o motivo óbvio; da última vitória de Felipe González e não sei o quê; das últimas autárquicas e foi porque a sala era torta... E muitas outras, referendo sobre a interrupção da gravidez, etc. Ocorre-me sempre perguntar se quem assim se justifica o faz porque disso está convencido ou então se o diz apenas com desplante. Pela minha parte, apenas dei um palpite aqui, em princípios de Janeiro. Veremos qual o grau do falhanço. Mas não matei a cabeça com estatísticas nem com amostras. Também não sei se a maioria das sondagens vai falhar muito ou pouco. Só me cheira a qualquer coisa... por MCV às 19:42
Estas cadeiras
Este recanto Onde me sentava junto ao fogo E ficava a ouvir os seus estalidos e o que me ensinava sobre coisa nenhuma Para além de combustões das quais ele próprio nada sabia
Às cadeiras ainda as tenho Do recanto alheado, nada sei por MCV às 15:59
Resultados
Percentagem de pontos obtidos (1) Falta apurar a freguesia de Guimarães. O resultado final estará compreendido entre 57,6% e 62,1%
Uma das minhas dúvidas existenciais é por que raio me hei-de eu chatear ou contentar com os resultados dos jogos em que participam onze tipos muito bem pagos que, na maior parte dos casos, nem sequer se chateiam ou alegram como eu sem razão. Lembrei-me de uma camisola riscada de verde e branco, ostentando o número 8, que às vezes via pendurada num varal lá na rua onde morei. Nesse tempo, não me sentia desconfortável ao discutir do alto do meu metro e pouco com o empregado da pastelaria, benfiquista ferrenho. O meu pai é que talvez nunca tenha percebido de onde me vinha a veia sportinguista. Nem eu. Também dele não cheguei a saber se era do Benfica, do Porto ou do Sporting. Apenas a história de uma certa moça que um andrade abandonou à sua sorte no Estádio do Lima, enquanto descia ao relvado para protestar. por MCV às 00:05