Confesso a minha altivez. Às vezes, dá-me para isso. E com ela, vem o desdém pelos empertigados e fabulosos fazedores das coisas.
Sabe-se hoje, desconfia-se aqui e ali, que apenas é matéria o que é propagado aos sete ventos. Todo o resto é coisa que não existe, ou existindo, escapa à nossa compreensão.
E só sendo matéria o que propagado é, não carece a coisa para ser matéria de ser seja o que fôr mais. É o bastante.
Assim, o velho e errado hábito de apalpar as coisas para ver se eram a sério (o ar nunca foi coisa, já se sabe), cai enfim por terra.
É um deleite vermos os novos vendedores da banha-da-cobra e os novos prestidigitadores a tentarem convencerem-nos das suas barganhas e das suas habilidades.
Algures, perdeu-se a raiz das coisas. A raiz que, torta ou direita, deu nome à razão. Não faltam as matérias que de nada são feitas, os conceitos que só vácuo encerram. E dos quais e das quais, se elaboram novos conceitos e se fabricam novas matérias.
É vê-los a afirmar que as suas fábulas só não se confirmaram porque a surpresa teve lugar.
É ouvi-los a dizer que as ciências que defendem, embora não possam prever, conseguem explicar.
Um mar de nada. Onde soam as vozes que são mais do que vozes?
Eu sei que isto não é novo. Agora só parece ser mais visível, por toda a parte espalhado.
Vou para o monte. Lá, pelo menos, das landes e só das landes, nascem sobreiros.
Há muito que me convenci de que a política não tem nada de racional.
O que não impede que se façam, por parte dos próprios intervenientes e dos observadores mais ou menos privilegiados, as maiores considerações sobre racionalização. Já nem falo de razão, que este conceito de racionalizar parece ser mais complexo e difuso.
É certo que o nosso país não possui o hábito de fabricar bons dirigentes.
Antes reprime a capacidade precoce, desde que não relacionada com o pontapé na bola.
Creio que em gerar talentos, não seremos muitos diferentes dos outros. Em aproveitá-los, que é onde está o ganho, segundo um antigo publicitário avisado, é que a coisa desamassa.
Também não creio, nunca o cri, que os grandes talentos sejam bem aplicados na política. Mas ajudava que, em postos intermédios, dispuséssemos de uma plêiade capaz de preparar terreno para políticas mais "racionais".
Ora o que sucede é que há uma demissão em massa dos mais capazes quando se trata de ombrear com a mediocridade. Por ombrear, quero dizer correr ao lado e roubar a bola.
Vai-se tudo embora. Não sei quantos se queixam depois disto e daquilo. Mas se se queixam, queixam-se mal.
Posto isto, que como é hábito já divergiu do caminho alinhavado, apenas um singelo comentário, que é feito hoje, mas poderia ter sido feito em muitas outras ocasiões anteriores, tivesse eu um blogue nessas épocas:
Não seria já altura do PSD e o PS se entenderem quanto a uma orgânica do governo?
E de se criarem aparelhos ministeriais mais razoáveis e duradouros?
Ou iremos assistir permanentemente a este esbanjar do nosso dinheiro e a esta perda de eficácia que é a criação, a extinção e a mudança de nomes dos ministérios ao sabor do vento?
Eu sei que há sempre o perigo humphreano. Mas ainda assim parece-me mais "racional".
Li há semanas no Expresso que uma das queixas mais frequentes por parte dos jornalistas estrangeiros que acompanharam o Euro 2004 foi a sinalização deficiente.
Menos mal se foi isso afinal o pior da coisa. E parece que assim terá sido.
Seja ou não cortesia dos entrevistados, é um aspecto a reter.
Um velho amigo, sempre irónico, diz há muito que com a nossa sinalização, ninguém que conheça o caminho se engana.
Durante muitos anos, houve nas nossas estradas uma tradição na sinalização informativa que se pautava pela legibilidade bem estudada e pela coerência dentro de uma hierarquia da rede rodoviária.
Havendo quatro diferentes categorias de estradas nacionais, sucedia que as estradas de 3ª categoria (efectivamente a 4ª, pois havia as estradas principais, as de 1ª, de 2ª e de 3ª categorias), ainda dispunham de uma sinalização razoável.
Aos sinais de aproximação de cruzamento ou de entroncamento, sucediam-se nas intersecções os sinais indicadores de direcção e posteriormente, os sinais de confirmação da direcção em que se seguia, para já não falar dos marcos quilométricos que confirmavam rumos e distâncias a percorrer.
Em regra, já as estradas e caminhos municipais eram desprovidos de sinalização.
A certa altura, a intervenção municipal começou a notar-se nesse campo.
Primeiro timidamente. Depois, de forma eufórica e folclórica. E sem critério.
Na maior parte dos casos, percebia-se claramente que a concepção e a colocação dos sinais era arbitrária.
Em zonas urbanas, a coisa piorava. Cores dependentes da escolha de cada um, consoante o município. Escolhas péssimas quanto à legibilidade, quer no contraste forma / fundo, quer no formato e na escala das letras.
De uma situação em que existia uniformidade no país, embora com falhas evidentes ao nível das localidades mais populosas, passámos para a competição pelos sinais mais aberrantes.
Na colocação, na hierarquia dos locais a sinalizar, um desastre.
Sinais mais do que evidentes de que pessoas sem a mínima preparação ou bom senso decidiam estas coisas.
Ainda no plano nacional, verifica-se a degradação da informação. Um caso gritante é a substituição ou a nova pintura dos marcos quilométricos que apenas revela o quilómetro respectivo. Sabendo nós que essa informação é irrelevante para quem se orienta por meio de um mapa de estradas.
É a eterna dificuldade de nos colocarmos no lugar do outro, do que não sabe, do que não conhece.
Quem peça muitas informações sobre direcções verá que a esmagadora maioria dos interpelados, embora com boa vontade, não conseguem dar uma explicação adequada ao desconhecimento. Comum é ouvir-se um ponto prévio: conhece isto, conhece aquilo?
De qualquer forma, há que dizê-lo, e voltando aos jornalistas de fora, supondo que grande parte dos trajectos se fizeram em auto-estrada, a sinalização nestas é muito razoável.
Referir-se-ão provavelmente ao acesso próximo de estádios e hotéis. Esse sim, costuma ser calamitoso. Mas não sei se houve ou não sinalização temporária a apontar os locais mais procurados. E é natural que tenha havido.
Não fui ver, não sei, não faço ideia.
Do banco Gorringe, dizem-se duas coisas. Que é uma zona fatal em se tratando de gerar terramotos e que é um pesqueiro abundante.
Parece uma boa metáfora para denominar as histórias em hipógrafe.
Na verdade, não são histórias.
Apenas a constatação de que o banco de pesca onde desencantei pequenos terramotos feminis se situa algures na periferia de mares amigos.
Perto e longe de casa.
Sempre longe dos sítios onde a força maior me obrigava a permanecer.
Sempre as amigas dos amigos, as primas dos primos e nunca as colegas de escola ou de profissão.
Sempre por acasos, como quando certo irmão enganchou um polvo no anzol enquanto sirgava ao longo da margem.
A afinal não tão misteriosa irmã de um companheiro de copos que teimava em abandonar as capelinhas para a ir buscar para a festa.
A estranha a quem se pediu o favor de entregar isto à amiga comum.
A que fazia par com a namorada do amigo e tens que vir comigo.
A que apareceu na casa de uns amigos antes do jantar.
A que falava alto na mesa ao lado.
A que estava sentada ao lado do velho amigo já não sei por quê.
A que ficava na praia, uns toldos abaixo, e que ganhou coragem quando apareceu alguém que nos conhecia a ambos.
A prima do primo que jogava ringue noutra praia ao cair da tarde.
A que abriu a porta da casa de família naquele fim de tarde primaveril.
A amiga da prima que surgia sempre sem se saber de onde.
Algumas outras em circunstâncias semelhantes.
Tudo bem visto, o meu banco Gorringe situa-se a sul. Um pouco mais a norte do que o verdadeiro, desencadeando pequenos sismos e cheio de peixe.
Sou como o Anarcka, não acredito na aquacultura.
O que é que me anda a dar para ser tão autobiográfico?
Centenas e centenas, diz você?
Dezenas e dezenas, contei eu!
Ao contrário dos envolvidos neste diálogo que, segundo o velho RC, contavam camiões de pedra rumando à barragem do Roxo, nos tempos em que a construíam, trata-se aqui de visitas a este blogue, oriundas (oriunção direi depois o que é) das sete partes do mundo e que têm como único objectivo esta foto:
Que não é minha. Veio com a devida menção deste sítio.
Ilustrou um post sobre memórias (mais um) dos tempos em que ver passar os carros era um passatempo bem complementado por outras interessantes actividades.
Mais um mistério do Google.
É o Renault 5 Turbo de Joaquim Moutinho, no ano em que venceu o rali de Portugal.
E não é preciso muito.
Uma das coisas boas disso tudo é, ou foi, a nossa capacidade de inventar, disparatar, criar as cenas que depois nos envolveram.
Há algumas fotos, poucas.
Ninguém nos fotografou na portagem de Condeixa ou nas ruas de Castro Verde.
Ainda hoje não sei quem foram os espectadores do nosso almoço na feira.
Mas vejo a tua cara quando o Manel, sem palavras, te encheu o prato com mais um petisco.
Rias e exclamavas que era duro acompanhar o jet-set alentejano.
Jet-set de pão com linguiça, digo eu.
Foste castelã e banhista de água doce, entre os meus afagos.
Ainda hoje escreveria o mesmo postal, datado de Penamacorvo...
E provei que estavas enganada quanto à tua própria fotogenia.
Às vezes, lembro-me. Basta espreitar um filme. Isso ontem foi o bastante. Estiveste sempre por ali, disfarçada de actriz inglesa, C2S.
a imagem tirei-a não digo de onde, mas é de uma actriz inglesa
Não sei se pousas
Sobre os carris que fotografei
Ou se trazes
Odores de plateias de madeira.
Talvez sejas apenas
Uma presença num parque de árvores
Que nunca identifiquei,
Uma sede entre estevas chacinadas
Pelos verões, sob botas caneleiras
Arrastando pó.
Um outro odor metálico de
Cadeiras vermelhas, verdes, azuis ou
Amarelas, contracenando com
O meu chapéu de sol, de iguais cores.
Talvez até um som gritado
De "fruta ò chocolate".
Uma deixa numa récita,
Um biombo velho dividindo
Promiscuidades.
Um carro soando em estradas
Desertas.
Qualquer coisa.
Definitivamente minha.
De onde vem esta desolação?
De onde vem o desânimo? De onde vem o ressentimento?
Será que vem da confusão entre realidade e utopia?
Será que vem daí? Da nossa constante insistência em tomar o mundo pelos nossos desejos improváveis?
As condições ideais fazem-me sempre lembrar um peixe que se carregava da praça embrulhado em papel de jornal.