A cabina ficava dentro do café.
Ali esteve séculos de madeira.
Negócios de gado, telefone para o Sr. F., querem um carro de praça. Não, não está aqui. Deixe estar que eu logo lhe digo.
E lá tinha a lista, a de papel, manuseada, e a de madeira, graffiti utiltários de esferográfica Bic. No fundo e dos lados, até na porta havia números escritos com e sem indicativo.
Um desses números quisera-o riscado, desentranhado dos veios da madeira. Era um número útil, de acesso a serviços.
Para mim, não.
Um dos meus velhos e bons amigos dizia há tempo que o que mais o atormentava na velhice era perder a noção das proporções e o consequente sentido do ridículo.
Assino por baixo, quero dizer, também isso me aflige.
E outra coisa mais me aflige, é o facto de os burros velhos comprovadamente não aprenderem línguas.
Se um dia me sentei frente a uma máquina que me dizia C:> e lá lidei com ela depois de um primeiro esclarecimento, sem grandes sobressaltos, um dia virá (se viver até que venha) em que face a um signo qualquer ficarei à brocha.
Terei que delegar poderes, terei que me submeter à intermediação de alguém para satisfazer necessidades básicas. Perderei a tão cantada soberania.
Acontece a todos (este pensa que é só a ele...) bem sei.
Mas que diabo não consigo preocupar-me com a reforma (qual reforma?), com a bricolage, com a jardinagem, ainda me falta o filho e a árvore, a árvore não sei. Valem os caroços?
Com essas minudências, não consigo preocupar-me. Nem sequer em pagar a quota do lar aqui do burgo.
O pior é que o grilo falante de vez em quando vem-me com esta:
"Quando lá chegares, vais arrepender-te do descaso!"
Palavraquenãopercebo.
Todo o universo de utilitários que solicita o nome do meu cão, o modelo do meu primeiro carro, a minha cor preferida ou outros dados pessoais e intransmissíveis, não faz mais do que mimar os velhos filmes que metem computadores, tragédias iminentes e a miraculosa descoberta do nome da sogra do cientista maluco.
Não percebo. Nunca percebi.
Desconfiamos todos hoje que esta coisa de passwords é quase inútil. Que já não se torna necessário o tal milagre no último segundo, sempre em números vermelhos e em formato rombóide, para arrombar as nossas seguranças.
Agora a história da password com o aniversário do casamento faz-me confusão.
Então não haverá forma de inventir passwords completamente independentes da biografia de cada um?
Será que as pessoas não são capazes de usar passwords completamente desligadas de episódios com significado?
Ninguém adopta um rosinhasdetoucar, um AstonMartinsDBXVIII, um mamutecahdecasa, um tromboneafinado sem que isso tenha a ver com qualquer coisa de marcante? Será caso?
Confesso que não percebo.
E fico-me com a passwordquenuncaesquecerei. por MCV às 18:32 de 13 maio 2004
Directamente das Palavras de SG
sem mais comentários
Pinguins de papo para o ar em pleno Mar Báltico
Charge ? grito lancinante de um dos primeiros centuriões a chegar perto do cosseno ribeirinho, constatando que o decrépito olival já não pertencia a seu tio e que a ignorância dos cabelos era maior em cima do convento do que na própria azinhaga fatal.
Bolbo raquidiano é uma porção de sentinelas alcoolizados dentro de um balde de potassa, atendendo a que os olhos dela só me vêem a mim na banda permitida que vai de 4000 Å a 7000 Å, não esquecendo que um chapéu de chuva ao sol pode ficar retemperado com dietas lá na Áustria tirolesa.
A simultaneidade de critérios em casa do café não passa por uma homeostasia límpida em quatro sectores já que Decimal, o Verdugo, não se mostra condescendente com as atitudes mais ou menos vegetais da filha dos quintos logaritmos rurais e a potência do vassalo passa a assumir, a partir de certa ordem, valores incompatíveis com a sonorização da lira camoniana.
O cerne da questão passa, desta forma, a ser um celibatário não concorrente à eleição das misses do ano transacto, o que nos leva a pensar em termos de macrocefalia descritiva e geográfica, ou não fôssemos nós velhos barcarenos à procura da notícia podre do fim do dia Austral, quando as cabanas dos indígenas se revestem de tonalidades azuis-celestes e os pássaros emigrados reclamam por extenso, de cima dos fios de telefone.
A cidade perdida de Tuta-e-Meia terá sido sepultada por uma erupção do vulcão Stª Helena ou a possibilidade remota de a podermos avistar do Castelo dos Mouros assume já foros de verdadeira sensacionalidade?
Ao fim e ao cabo, prefiro o cabo.
Fórmicas de várias cores, mesas de vidro. O básico café modernista.
Não se sabia se aqueles olhos mais antigos tinham pousado ali muitas décadas atrás, vindos das moradias da álea da estação.
Comboios a carvão.
Décadas de copos de vidro, chávenas de louça, colheres de alumínio e aço inox.
Estudantes, militares, esposas. Médicos e engenheiros.
O rapaz contara não mais que dez anos desde que estacionara a primeira vez ao lado da vitrina dos chocolates.
Namoros de olhos. Cervejas, aguardentes. Conversa de chacha.
A mulher pouco mais tempo contara desde que impressionara os circunstantes pela primeira vez. Ruidosa, cativante, desbocada, deslumbrante.
Falava, exaltava-se, ria, discutia.
O rapaz não lhe concedia mais atenção do que às outras peças do xadrez de mosaico hidraúlico.
Duas ou três vezes trocaram palavras. De uma das vezes, ela reclamou um cumprimento. De outra, contra-atacou um dos seus discursos de costumes.
O irmão, o colega do irmão e a namorada do colega do irmão assentavam arraiais pela noite fora, em sábados indistintos, discutindo o que apelidavam de geopolítica, uma espécie de Trivial Pursuit de medronhos, aguardentes de alfarroba, Jack Daniels e gin tónico.
E o colega do irmão que lhe contasse o que era feito da tal irmã, dele colega do irmão.
Pois é. O café fechou. Fechou, não. Acabou. Agora é uma tasca que parece um café. Espelhos, lindos mosaicos cerâmicos 30 x 30 daqueles riscadinhos. Listéis. Sim, foi o que me disse a vendedora na SIMAC. Balcão de painéis de vidro castanho, mais espelhos. Sandes diversas. Pipis. Nunca mais lá fui, o que é feito dela?
O café da bola. D' A Bola nas mesas para os fregueses. Do balcão corrido de imperiais e tremoços. Licores Beirão.
Ele, o rapaz, explicava a táctica ao colega do irmão. Talvez uma votação no Conselho de Segurança. Mas isso é estratégia. Seja.
Virou-se, transportando o último fino da noite.
Como está a senhora?
Surpreendeu-se com o grito dela. Desbocada. Deslumbrante. És tu?
Majoraram nessa noite o somatório das anteriores conversações.
Para levante, a contar da segunda sobreira junto à margem direita do barranco, contada desde o Poço da Lebre.
Enquanto os Alpha-Jet da BA11 faziam uma passagem.
A minha geração tinha muita ilusão no ano 2000, como dizem os de Castela.
Um dos grandes desafios do homem, mesmo para aqueles que escrevem diários, é reconstruir o que lhe ia na alma, trinta, quarenta anos atrás.
Um exercício inconsequente. Mas ainda assim, um exercício interessante.
Ao rever o que foi esse ano, ao relembrar o post de há dias, vem-me justamente à memória essa expectativa.
O que foi esse ano e o que afinal trouxe (já trazia de trás) de novo.
Para mim, formado para o mundo na década de 60, no meio da corrida à lua, dos livros da colecção Argonauta e de outras projecções, parece que ficou muito aquém do sonho.
Mas era um sonho infantil, inchado de ignorância e pouco comedido.
Não andarei muito longe se disser que a grande novidade é este mundo de computadores, ferramentas todo-o-terreno, comunicações, telefones móveis, telefaxes.
Que se anteviam mal na Brunswiga cujos carretos torturei, sob o olhar complacente do meu pai.
Embora não fossem sonhos, pois eram até evoluções previsíveis.
O mundo deu um salto com a guerra. Depois da guerra aperfeiçoou as técnicas. Estava tudo ou quase tudo à vista. Talvez por isso, o sonho fosse maior.
A propósito de mais uma conversa ultramarina. Lili, como é que chegámos ao ano 2000?