Um sintoma de que nos afastamos da observação simples das coisas simples é o barulho à volta da febre da carraça.
A ser de facto a febre da carraça.
Quantos de nós sabem hoje o que isso é?
Quantos urbanos possuidores de cães?
Quantos campistas?
Um dos meus velhos amigos afirmava a pés juntos que o meu aparelho de telefonia dava notícias diferentes das do dele.
Em tempos que já lá vão, quando era época de noitadas de Rotring, e descontando o cansaço dos traços 0,35 e 0,18, eu próprio constatei que certas notícias madrugadoras e que prometiam celeuma certinha, aparentemente se esfumavam com os raios da aurora.
Vá se lá saber por que raio. Qual deles seria.
Dá-se o caso de ter aqui junto de mim um aparelho desses que, mesmo sem ser verdade, aparenta ter andado na guerra.
O som é mau, e lá porque sim, decide por conta própria mudar de frequência. Talvez não mude, talvez seja um fenómeno externo, alguma emissora que se sobrepõe, qualquer coisa do género.
Estou desta forma, e dada a minha proverbial preguiça, a ouvir um evangelizador.
A coisa não seria tão estapafúrdia não fosse o caso de ter acabado de ouvir uma rábula em que entrava um marido balbuciantemente bêbedo e a respectiva esposa farta. Farta de copos, farta de palavras imperceptíveis, farta de não ter dinheiro.
E de no meio do proselitismo redundante, ter ouvido apelos para comparecer na porta ao lado da oficina da Renault.
Dei-me conta que este rádio, por ter provavelmente andado na guerra à revelia do seu dono, poderia estar, por uma destas artes que desconhecemos, a captar sons do passado.
Mas temo que não, que não se trate de uma brincadeira como a que Matos Maia fez há décadas.
Bóias, bolas, livros, postais ilustrados e jornais estrangeiros
Admito que não resisto a uma tenda assim.
Ainda que as de hoje tenham outro tipo de chamarizes, diversos dos da minha infância.
E que hoje são essencialmente os jornais que me atraem.
Não posso garantir que a minha primeira atenção para estes bazares tenha sido motivada por um certo livro em que pontificava João Bafo-de-Onça e que decerto terá sido uma desesperada prenda de meu pai, não porque a cria fosse rebelde ou desatenta mas por razões muito mais ponderosas.
Mas esse livro marcou-me. Não havia bóias nem bolas no quiosque ferroviário. Haveria com toda a certeza carteirinhas de cromos, jornais do dia, revistas pornográficas à socapa, livros de bolso, maços de tabaco, isqueiros para os detentores de licença e muito mais.
João Bafo-de-Onça ver-se-ia mais tarde que não seria a minha personagem favorita. No entanto, a sua imagem ficou gravada e provocou muito provavelmente a febre que consumiu durante anos os 20$00 mensais de Tio Patinhas e Mickeys.
Depois complementados com os Mundos de Aventuras, os Falcões, os Guerras, os FBI.
A questão das bóias e das bolas era que se constituíam, na terra alheia, em marco geodésico de onde a probabilidade de avistar as capas da devoção era alta.
Quase nunca me enganava.
Esse fascínio passou depois para os jornais. Os mesmos que lançava para a caixa do carro e lia de empreitada.
Quiosques ferroviários, bancas de jornais em cafés, quiosques de rua e papelarias de província são a minha perdição. Talvez nem mais nem menos do que uma livraria.
Tenho a quem sair. Não me faltam Argonautas, Vampiros, Livres de Poche e outras colecções por essas estantes.
Não é assim tão grave não entrar à primeira com o binómio de Newton, embora não seja bom presságio.
Grave é acordar um dia atrás do outro sem o perceber.
O meu nível de exigência baixa, a azia volta e, chegados ao equinócio, é certo que o sol deixa de incidir na minha secretária.
Não foi ciência astronómica antiga, foi acaso da patobravice e da minha exigência baixa, já se vê.
Para combater a azia dos últimos dias e poupar os meus leitores, socorro-me de LP, que assim dizia há vinte e cinco anos:
Botões de rosa pálida ou porque plantei uma figueira
Só a posição pouco equilibrada da nova estética de Sebâncio, o Forte, pode explicar a deformação congénita dos grãos de café que eu não exporto, todavia a já assinalada presença de sumérios e hititas nos Balcãs é testemunho indelével da notória compreensão entre solteiros e casados, no último jogo dominical.
Sabido é, portanto, que a não ingerência do mordomo nos assuntos de cozinha é prova suficiente duma polidez de costumes não natural em pessoas de frequência modulada que, no entanto, não se dobram às investidas pouco selectas dum Pablo Romero, em dia de matrimónio.
A manhã mais deliciosa que pode acontecer a um filiado do "Free Camping" é aquela que obriga as margaridas a desflorarem prematuramente, se não nos esquecermos que, aliado a este facto, há que considerar a hipertrofia do androceu e o esvaziamento parcial duma 100 Pipers em casa de seus pais.
Deste terreno não sai centeio - afirma peremptoriamente o deão dos regentes saídos da Paiã, a propósito dos cinco hectares cedidos ao merceeiro num recanto de Hyde Park - no entanto, é possível criar aqui botas de cano alto que possam contribuir para um relançamento das opções militaristas no intervalo para o café.
Há quem não use chapéu quando contrai dívidas pouco onerosas, o que não impede que as forças de Van der Waals sejam, à parte gralhas de impressão, menos significativas em palácios de cristal do que em becos sem saída, onde os toques nas montadas são de somenos importância e não garantem apoteose final.
Ocorreu-me há dois dias que a sogra desmamada do novilho empertigado deve ser suficiente para saciar a gula dos quinze confrades reunidos em torno da bandeira do maior copo, enquanto se fazem campanhas televisivas que visam prevenir os acidentes rodoviários causados pela euforia licorosa.
Não sabia que tinhas dado agora em bajulador de adolescentes.
LP, "Palavras de Dom Goda", 1979 por MCV às 20:35 de 21 setembro 2004
Tenho repetidas teimas a propósito das actuações desastradas que por aí se contam.
A minha interlocutora é, desde sempre, adepta de uma intrincada teoria da conspiração com obscuros contornos, como convém a todas as boas teorias da conspiração.
E encolhe os ombros quando eu lhe falo da falta daquela coisa com que se constroem teorias. Não me refiro a ela, claro.
Refiro-me aos actores dos habituais desastres.
Socorro-me sempre, embora sem o expressar, das palavras de outra pessoa:
"Eles não conseguem ser maus, falta-lhes cabeça!"
Um velho amigo e colega surpreendia-me às vezes, quando ao volante do carro se virava para mim, co-piloto, e me perguntava: "Para onde é que vamos?"
Não era a pergunta do taxista. Não era por onde. O sigo pela Baixa ou vou por fora. Era mesmo uma espécie de acordar estremunhado de algum sono ou sonho que lhe permitia manter os níveis de atenção para conduzir. Mas não era condução, era andar de carro. Ele não conduzia nada nem ninguém nessas alturas, seguia apenas a estrada.
Já a mim me sucede amiúde nos trajectos, a cavalo na lata ou a pé, observar aqui ou ali algo de insólito que julgo ser comentável quando chegar ao destino. O mais certo é, lá chegado, não me lembrar de tal.
Sair de casa com várias incumbências e esquecer uma ou duas.
Talvez seja aquela fase da vida em que se torna mais fácil recordar um episódio de há trinta anos do que o jantar de ontem.
Assusta-me.
Através dos FísicosLX fiquei a saber que o Terravista vai acabar com as páginas pessoais lá alojadas e que hoje é o último dia para recuperar os ficheiros.
Quem lá tenha coisas e não tenha cópias, siga por aqui.